CIÚMES, UM SENTIMENTO COM MUITAS RAMIFICAÇÕES
O ciúme, sentimento monstruoso que devora a alma, tem múltiplas ramificações que apontam para fraquezas e virtudes, sucessos e fracassos. Não se restringe, portanto, apenas à emoção (raiva), a um comportamento (rivalidade competitiva) ou a pensamentos (desejos de exclusividade). O ciúme, na verdade, é complexo de inter-relações emocionais, cognitivas e de processos comportamentais.
Uma visão teórica sobre o ciúme aponta que ele é um protesto à incorporação de um desejo não realizado de um ideal de compromisso e fidelidade na relação. Isso nos remete ao que Freud (1922) sugeriu do ciúme como sendo universal e inevitável porque se origina muito cedo na vida em relação à rivalidade pelo amor exclusivo da mãe. Assim, o ciúme é sentido novamente sempre que o medo de perder o objeto de nosso o amor é despertado.
Além disso, pode-se dizer que o ciúme também está ligado a um ideal de si mesmo que é projetado na relação com o outro. Pelo fato de não se compreender os limites entre o eu e o outro, a relação do ciumento pode ser um ideal de estar comprometido consigo mesmo e de ser fiel apenas a si mesmo. Sob esse aspecto de perda de limites, há uma tentativa recorrente de impor desejos e prioridades. O outro passa a se confundir consigo e, dessa forma, passa a ser também uma propriedade a quem podem ser ditas regras e normas.
Um estudo realizado pela Universidade da Califórnia apontou que as pessoas com mais ciúmes tendiam a ver isso como uma característica de personalidade mais positiva; essas pessoas ainda gostavam de parceiros igualmente ciumentos. Outro ponto interessante os mais ciumentos tendiam a perceber o ciúme como uma reação normal que acompanha o amor, ou como uma reação instintiva à ameaça, e poucas vezes propensos a perceber o ciúme como um sinal de imaturidade.
Estes resultados, até certo ponto, pode ser explicados pelo papel desempenhado pelos mecanismos de defesa utilizados pelos ciumentos. Vou citar apenas alguns aqui:
1 – Racionalização – o sujeito procura apresentar uma explicação coerente (do ciúme) do ponto de vista lógico, moralmente aceitável para uma atitude, um sentimento cujos motivos verdadeiros ele nem percebe.
2 – Repressão – mecanismo que impede que os impulsos ameaçadores dos desejos, pensamentos e /ou sentimentos dolorosos cheguem à consciência.
3 – Projeção – atribuição ao outro de qualidades, de sentimentos, de desejos que o ciumento recusa ou desconhece em si mesmo. Algo fora é mau, perigoso, pervertido sem reconhecer que tais características podem também ser suas e verdadeiras. O ciumento, por exemplo, acredita mais que outras pessoas também sejam ciumentas.
4 – Formação reativa – substituição de comportamentos e sentimentos que são diametralmente opostos ao desejo real. Por exemplo, o grito de posse pode ser uma formação reativa às representações de grandes perdas silenciosas.
A este ponto merecem destaque os mecanismos de defesa que podem, de alguma forma, estar imbricados neste universo do ciúme. Alguns deles são: repressão, projeção, deslocamento, racionalização e formação reativa.
Isso é também possível argumentar que as pessoas em relacionamentos instáveis e inseguros tem mais probabilidade de ficar com ciúmes, mais probabilidade de ver ameaças no relacionamento e provavelmente tem parceiros que provavelmente serão infiéis.
Quanto mais ciúme os indivíduos relataram “no momento”, mais relacionamentos eles tiveram e que terminaram como resultado de seu ciúme; e a quanto mais jovem for o entrevistado, mais relacionamentos terminaram por causa do ciúme. Pode-se aceitar a ideia de que as pessoas mais velhas simplesmente esquecem de seus muitos relacionamentos juvenis que terminaram como resultado de ciúme, um fica com a possível conclusão de que a nova moralidade com sua sexualidade aberta está aumentando o potencial de ciúme nos casais mais jovens.
1.CIÚMES NORMAL
Observamos aqui várias dores bem distintas: primeiro, a perda do objeto amado, que gera a dor do luto; segundo, a dor narcísica, o defrontar-se com a ideia de que não se é tão indispensável para o amado como se pensava. A fantasia narcísica onipotente de que o amado não sobreviveria sem meu amor cai por terra. Em terceiro lugar, a presença de um rival, sempre mais forte, potente e desejável. E nesse embate ele venceu. E, finalmente, a perda da distância necessária para a compreensão da perda, assumindo a culpa. E a culpa dói.
O olhar psicanalítico de Freud permite apontar que há um funcionamento mais projetivo naquilo que denominou como “ciúme projetivo” o que se distingue de um ciúme paranoico em que o sujeito se defende de seus próprios desejos de ser infiel imputando a infidelidade ao cônjuge. Sob o olhar da psicanálise, o ciumento desvia a atenção de seu próprio inconsciente e reage com medo ou raiva a uma ameaça de apropriação de algo que é seu, ou daquilo que se deseja como seu. Portanto, às vezes é impossível, e sempre ineficaz, denunciar a projeção como uma percepção errada.
Pittman lembra que o ciúme normal provavelmente contém um elemento de dependência e medo de abandono. Ele pode ser o equivalente adulto dos medos de ser abandonado pelos pais que todos nós experienciamos quando éramos bebês (PITTMAN, 1994, p. 49).
Todos os homens e todas as mulheres, inconsciente ou conscientemente, temem a presença de alguém que seja mais satisfatório para seu parceiro sexual: este terceiro temido é a origem da insegurança emocional na intimidade sexual e do ciúme como um sinal de alarme, protegendo a integridade do casal.
O ciumento acha que pode perder a pessoa amada para outra, então, na verdade o que o ciumento não admite é perder. Nesse caso o ciúme não tem nada a ver com o amor, o que está em questão é o próprio ciumento e seu desejo de não perder, de não ficar em segundo plano.
2.CIÚMES PROJETADO
Segundo Freud, a fidelidade tem um preço que são as constantes tentações à infidelidade. O sujeito obtém alívio dessa pressão e a absolvição da consciência projetando seus próprios impulsos à infidelidade no companheiro a quem deve fidelidade.
Para Pittman (1994, p. 55), acredita-se que esse é o mecanismo comum, a projeção, através do qual os namorados e outros infiéis sofrem ciúmes selvagens e com frequência violentamente intensos, que têm sua máxima intensidade quando a pessoa ciumenta está sendo extremamente infiel.
O ciúme projetado é derivado da infidelidade concreta e está associado, no sujeito ciumento, com o seu próprio desejo de trair o parceiro, atribuindo ao seu objeto de amor à própria infidelidade ou os próprios impulsos recalcados
A dor produzida pela fantasia de ser traído, a obsessão com que o sujeito procura provas da
infidelidade do objeto e a raiva pela impotência de consegui-lo invadem o set analítico.
“Cachorro ovelheiro (que cuida das ovelhas) que uma vez matou uma ovelha, não tem mais cura”. Ou seja, a fantasia e o desejo de trair novamente estão sempre presentes, mas são projetados no outro. “Não sou eu que traio, mas sim, ela (ele).”
Freud acredita que o tratamento analítico não deve se preocupar em descobrir o fundamento das suspeitas do ciumento, mas fazê-lo perceber o fato de outro ângulo.
3.CIÚMES DELIRANTE
Tentativa de defesa contra uma tendência homossexual demasiadamente forte, ela se poderia deixar circunscrever (no homem) por esta fórmula: “Eu não o amo, quem o ama é ela”.
Sua mulher trabalha com ele em sua atividade comercial. E aqui observamos um comportamento paradoxal de Alois: com toda essa carga de ciúme, seria de esperar que Alois ocupasse a mulher com trabalhos internos da loja, não permitindo sua saída para a rua. Ao invés disso, ele a incentivava a ir para a rua e encontrar-se com os fornecedores. Empurrava-a para encontros de trabalho que, em sua fantasia, se transformavam em encontros amorosos. Isso lhe permitia a dupla fantasia: a do rival temido e ao mesmo tempo idealizado. A do rival temido que compete com ele e vence, ficando com sua mulher; a do rival idealizado, enquanto se coloca no lugar da mulher, fantasiando como seria a ‘transa’. E aí emerge seu lado homossexual.
Freud afirma que o ciúme delirante tem sua origem em impulsos reprimidos no sentido da infidelidade, mas o objeto, nestes casos, é o mesmo sexo do sujeito. O ciúme delirante é o sobrante de um homossexualismo que cumpriu seu curso e corretamente toma sua posição entre as formas clássicas da paranoia (FREUD, [1922] 1976, p. 273).
Segundo Freud, o homem se defende do impulso homossexual com esta fórmula: “Eu não o amo, é ela que o ama! (FREUD, [1922] 1976, p. 273).
A implicação é a de que a infidelidade conjugal, os relacionamentos triangulares breves ou duradouros, muito frequentemente refletem conluios inconscientes entre o casal, a tentação de encenar o que é mais temido e desejado. A dinâmica homossexual, assim como a heterossexual, entra em cena porque o rival inconsciente é também um objeto sexualmente desejado no conflito edípico negativo: a vítima da infidelidade frequentemente se identifica inconscientemente com o parceiro traidor nas fantasias sexuais acerca do relacionamento do parceiro com o rival ciumentamente odiado (KERNBERG, 1995, p. 85).
As pessoas cujas relações de objeto estão marcadas por ciúmes apresentam uma incapacidade de amar devido a uma profunda ambivalência. São incapazes de desenvolver um amor autêntico. Suas relações são mescladas com uma forte necessidade narcísica.
Aqui novamente, enquanto Alois procurava o amor e dedicação de sua amante para com ele, no mesmo ato negava sua homossexualidade.
E mais adiante Fenichel (1996, p. 485) acrescenta: “Os ciúmes aparecem toda vez que a necessidade de reprimir os impulsos de infidelidade e de homossexualidade coincidem com a característica intolerância à perda do amor”. E isso certamente é doloroso, pois representa uma diminuição da autoestima.
Os dois tipos de paranoia, o ciumento e o persecutório, projetam para o exterior o que não querem ver em si mesmos. Mas não projetam no vazio, e sim na mente inconsciente dos outros. O ciumento percebe as infidelidades da mulher, amplifica-as muito, e, assim, as suas ficam tão diminutas que nem as percebe.
A inveja é o sentimento irado de que outra pessoa possui e desfruta de algo desejável – sendo o impulso invejoso tirá-lo dela e espoliá-lo. Além disso, a inveja implica a relação do indivíduo apenas com uma só pessoa e remonta à mais primitiva relação exclusiva com a mãe. O ciúme se baseia na inveja, mas envolve uma relação com, pelo menos, duas pessoas; diz respeito principalmente ao amor que o indivíduo sente como lhe sendo devido e que lhe foi tirado ou se acha em perigo de sê-lo, por seu rival.
No ciúme patológico são experimentadas emoções como: a ansiedade, depressão, raiva, vergonha, insegurança, humilhação, perplexidade, culpa, aumento do desejo sexual e desejo de retaliação.